quinta-feira, 18 de junho de 2009

Um lugar para se viver

Maria Rezende é uma poeta carioca que recentemente lançou um livro encantador chamado Bendita Palavra, onde, entre tantos versos, fui surpreendida por este: dentro de mim não é mais um bom lugar para se viver.
Semana passada eu decretei que o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço. Mas o abraço é um refúgio externo. O que fazer quando dentro de nós, esse lugar privativo, deixa de ser um bom lugar para se estar?
O verso da Maria Rezende reflete uma necessidade de se exorcizar, o pânico de não detectar dentro de si um abrigo, uma quentura, um espaço aprazível onde caibam todos os nossos fantasmas. A voz que fala através da poeta tem vontade de expulsar-se de si própria, já não reconhece um sol interno – isso sou eu que estou interpretando, Maria fala mais bonito: “teve um tempo em que esse dentro parecia com o fora/ era um ótimo lugar pra uma moça como eu era”.
Aí a personagem do poema virou uma moça diferente, hospedou em si uma criatura arrebentada, ferida, e danou-se, agora ela não é mais um bom lugar para se viver.
Explica tanta coisa, esse sentimento. Explica a gente não conseguir se relacionar bem com os outros, explica autoflagelo, explica engordar ou emagrecer além do razoável, explica suicídio, explica a sensação de ser um estrangeiro até para si próprio. Como lidar com esse despatriamento, para onde levar nossa mochila, nossa bagagem, nosso “eu mesmo” pra se instalar em outro corpo? Nascer de novo não dá. Ou até dá. Até dá.
De vez em quando é necessário se perguntar se dentro de nós é um bom lugar para se viver.
Depois de ler a poeta carioca, eu tenho me perguntado. E a resposta, sem nenhum ranço pseudointelectual, sem nenhuma espécie de autoaversão, ou seja, da forma mais simplória, é que sim, eu sou um bom lugar para se viver.
Dentro de mim há pensamentos demais, o que torna tudo meio caótico, mas tenho tentado dar uma arrumada nessas ideias e manter cada uma em sua gaveta. Há também sentimentos variados, mas de forma alguma vou expulsá-los, deixo que circulem à vontade por esse meu corpo que lhes serve de ringue, já que eles às vezes brigam uns com os outros.
Dentro de mim é sempre verão e toca música o tempo inteiro, e mantenho uma satisfação secreta que precisa se manter secreta para não passar por boba. Há crianças e adultos dentro de mim, todos da mesma idade. Aqui dentro existe uma praia e uma montanha coladas uma na outra, parece até Rio de Janeiro, só que os tiroteios são feitos com bala de festim. Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas para fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei. Dentro de mim são produzidas algumas cenas sofisticadas e também roteiros de filme B. Um universo movimentado e contraditório: como não gostar de viver aqui dentro?
E você, tem sido um bom hospedeiro de si mesmo?
(Martha Medeiros)

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