domingo, 18 de abril de 2010

Travessia

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos". (Fernando Pessoa)
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Travessia, que vivência difícil e dolorosa.

Enxergar diante de si uma ponte a ser atravessada, mas perceber que percorrer não é tão simples como pode parecer.

Nos versos de Pessoa, ele diz sobre um tempo de abandonar nossas roupas usadas, deixar os velhos caminhos, ou seja, abrir mão de nossa zona de conforto para arriscar numa nova estrada que descobriremos no decorrer da vida.

Deixar um lugar seguro, conhecido, talvez previsível é uma tarefa árdua, um luto de uma fase importante em nossa vida. Deixar de habitar um lugar, uma circunstância, um grupo de pessoas, identificações que noutro tempo era tão parte de mim, para me lançar numa busca do que quero ser.

Sei que aquelas roupas que antes me eram tão confortáveis já não me servem mais, mas encontrar novas roupas que caibam em mim e me façam sentir que sou eu de novo com verdade, é um grande desafio.

Sinto-me desabitada, não sei nomear o que está em mim. Brota em mim um anseio profundo por uma terra segura, por confiança em algo ou alguém.

Isso que está dentro de mim, que é tão real, mas questionável, um nó na garganta que faz e se desfaz, numa tentativa de reconstrução de minha identidade, de uma nova definição do meu lugar no mundo.

Inquietação que passeia pelo meu corpo, coração, mente, pensamentos, emoções, forte e profunda que quer encontrar um descanso.

Me encontrar em meio a travessia, saber que consegui sair do que já é passado, e saber que o que encaixava, que servia para minha vida anteriormente já não serve mais. Não adianta olhar para atrás e tentar voltar, já foi, está feito a despedida e vou vivendo o luto.

Enxergo que estou no meio da travessia, mas ainda não consegui avistar o que tem do outro lado da ponte, quem serei e que lugar habitarei quando chegar lá. Querer segurar numa mão e sentir paz, mas é tão difícil alguém que consiga compartilhar o meu real.

Sei que estou me descobrindo, para que eu não fique a margem de mim mesma, mas que consiga ser autêntica na vida que Deus me concedeu como presente. E como ser presente em mim. Como me habitar? Quero verdade, esperança e fé para encontrar uma vida com amor.

Como é difícil reconhecer a falta, a ausência, a solidão em minha existência. Uma solidão que não é só da ausência do outro, mas de si mesmo, de não se encontrar e assim uma sensação de não pertencimento. Quando não pertenço a mim, não poderei pertencer a um outro ser. Preciso me enxergar, reencontrar meu espelho, meu mundo, amadurecer e ter condições de me construir e assim conseguir colocar meus pés do outro lado da ponte me reconhecendo como parte desse novo habitar.

Olhos marejados, medo do novo, angústia no caminhar, dificuldade de acreditar, mas permaneço trilhando a historia de minha vida, tendo a expectativa que essa é uma rica fase dessa travessia e que em breve a vida brilhará em meus olhos e o amor reinará em meu coração.

O melhor dessa vivência é transformar meus sentimentos em palavras, essa tentativa de traduzir na escrita a experiência vivida.

Claro, sempre será apenas uma tentativa, o âmago do meu ser pede muito mais do que escrever. Mas é o que tem para hoje. É isso.


Larissa Silva

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O verão há de vir

“Ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranqüila as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha nenhum verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num grande silêncio intrépido, como se diante deles estivesse a eternidade. Aprendo-o diariamente, no meio de dores a que sou agradecido: a paciência é tudo”. (Rainer Maria Rilke)

Ao refletir sobre as palavras de Rilke, me deparo com a vida e penso como esse verso está ligado ao processo de viver, que entendo como uma grande arte.
No desenvolver de minha história vejo como sou tentada a querer controlar a vida, as circunstâncias, ações, como se a vida fosse matemática que se pode contar, ou um jogo de lógica que se pode calcular e ter a exatidão de um resultado preciso.
Não, não é assim que funciona o mundo real. Quando decidimos desvendar o véu da ilusão e tentar enxergar as coisas como de fato são, podemos perceber quanto é difícil entender.
Por vezes, tentamos desenhar um plano de vida de forma tão exata, como se a vida se resumisse a um projeto tecnológico. Onde o desenvolvedor tem controle sobre cada etapa do que sucederá dependendo de suas ações.
A vida é mais que isso, é como um mar de profundezas, um céu de descobertas.
Deixar de controlar para confiar é difícil, mas um desafio muito enriquecedor. Pensar na importância de não tentar entender tudo, mas sim reconhecer suas dificuldades e potencialidades. Enxergar o que se é, o que se quer, valorizar seus princípios, e aí então fazer suas escolhas pode ser uma grande sacada, ou seja, ser autêntico na arte de viver.
Diante da possibilidade de ter autenticidade no viver como essência, sendo parte de sua verdade, pode nos ajudar abrir mão do controle exacerbado do presente e do futuro, assim contribuir a ter confiança que o verão que há de vir. Confiar que existe belas flores e frutos doces que podem ser colhidos no porvir.
É tão lindo quando vivemos com verdade e deixamos a vida acontecer com naturalidade, enfrentando os desafios, lidando com as dificuldades, aprendendo com as frustrações, chorando com a dor, afetando-se com as alegrias e agradecendo pela presença do amor.
Reconheço que não é fácil, a vida é cheia de surpresas e não saber o que irá nos suceder é angustiante. Mas precisamos nos descobrir todos os dias, enxergar em nosso interior quem somos e buscar nisso uma força para acreditar e confiar no que diz o poeta que “o amanhã será como Deus quiser”.
É preciso desfrutar a vida com verdade e acreditar que o melhor virá, como diz Rilke “se tivermos paciência o verão há de vir”.
Proseando com um amigo, ele comentou que não é fácil acordar a cada dia e acreditar que é possível. Concordo com ele, é um desafio, mas crer, ter fé que podemos é um dom que pode ser aperfeiçoado a cada momento que topamos viver e nos traz maturidade para crescermos e nos fortalecermos.
Essa maturidade nos prepara para receber as dádivas de Deus e aproveitar carinhosamente a boas surpresas que a vida nos proporciona.
É tão bom quando vemos que não nosso controle, mas sim nossas atitudes sinceras e verdadeiras resultam em vivências felizes. Que ter paciência no inverno da vida pode resultar em alegria no verão de nossa história.
Quando houver silêncio em mim, que não seja de desistência, mas de paciência. Porque o que é eterno existe para quem é paciente.
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Larissa Silva

quinta-feira, 1 de abril de 2010

CORAGEM, Um Sonho Possível!

Enfrentar a vida com coragem. Penso a coragem como um dom, uma capacidade para viver a vida com verdade e autenticidade.
Assistindo o filme “Um sonho possível” tive minhas emoções afetadas e repensei sobre a presença da coragem em minha vida. A história do filme baseada em fatos reais, conta sobre uma mulher que adota um garoto e a partir disso a história da vida de ambos é transformada. A atitude dela foi de uma coragem com sua vida, com sua família e com aquele garoto.
o momento que ela percebe a necessidade dele, ao se deparar com o fato de que ele não tinha um lar e uma família, ela decidiu ser alguém por ele. Ela assumiu sua verdade, em querer se dar por aquela vida, mostrou seu desejo ao marido e aos filhos, correndo o risco de uma discordância familiar. Mas a coragem que teve para enfrentar esse desafio despertou o desejo de sua família em assumir aquela decisão como uma verdade deles e pagar o preço por isso. Admiro como ela expôs seu coração a um outro ser e se deixou ser afetada de forma tão profunda e significativa. Ela demonstra isso com sua fala: “- Você está mudando a vida deste garoto. Não. Ele que está mudando a minha." (Um sonho possível - 2009)

Esse contexto me impactou de forma peculiar. Acredito que essa “coragem” da personagem despertou sentimentos profundos em minha alma. Me identifiquei, me enxerguei.
Percebo que o cotidiano de vida no século XXI ao qual estou inserida, ou seja, a vida metropolitana em São Paulo, induz as pessoas a serem superficiais em suas vidas e com os outros. Diante de tantas exigências emocionais, profissionais, tecnológicas, conhecimentos, relações, é difícil ser autêntico, verdadeiro e ter a coragem de se comprometer em SER o que realmente se é ao escrever sua história de vida.
Uma série de representações, jogos, personas constituem a vivência humana, um emaranhado de atuações em circunstâncias diversas. Ao pensar quando de fato o indivíduo consegue expor o que se é, enxergar o que se é, aceitar o que se é, ser o EU que realmente se é, muitas vezes parece distante essa atitude de verdade consigo.
O âmago do ser humano busca por verdade, amor, completude, mas nossas defesas humanas parecem não perceber a real necessidade do seu SER. E assim age como estivesse satisfeito com o que é raso, fácil, comum, descartável e aparente. Aceitam assim viver numa conspiração de fingimento, com uma satisfação ilusória com o que lhe é externo sem valorizar a importância do que lhe é interno, a essência da alma humana.
Assim, vejo que a personagem do filme “Um Sonho Possível” interpretada por Sandra Bullock teve a coragem de aceitar o desejo profundo em sua alma de se solidarizar com aquele garoto, trazê-lo para sua vida e permitir que ele mudasse a história de sua vida e família. Deixando com que a afetividade, amor, cumplicidade despertassem com coragem em seu SER. Diante das críticas da sociedade que vivia, da exposição de seus filhos àquela situação, ela assumiu as rédeas de sua vida e foi quem realmente ela era. E assim encontrou o sentido e o real significado de sua existência. Como disse lindamente o personagem que fazia seu marido: sei que ajudar as pessoas traz a você uma satisfação incrível.
Que essa reflexão traga a minha existência a CORAGEM de SER o EU que realmente eu sou. Me coloque para fora, me desperte para o que o âmago do meu ser pede a mim. Que realmente eu VIVA a vida, desfrute com entrega e verdade das relações com o outro e dos desafios que diante de mim se apresenta. Podendo perceber a beleza da natureza, a importância do outro, o conforto da família, o presente da amizade, a dignidade do trabalho, a grandeza da solidariedade, a emoção da música, a resposta da arte, a riqueza do conhecimento, a vida no amor e a verdade em Deus.
Que eu tenha o prazer de enfrentar a vida com coragem sempre, que a Coragem seja para mim Um Sonho Possível!
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(Larissa Silva)