segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Depois de tanto tempo!

O maior segredo do amor não é por que amamos, mas por que deixamos de amar.
Nem procure recapitular o que bebeu na noite anterior. Não tomou nada. É a ressaca da sobriedade. Um imperioso repuxo da boca.
A descoberta é sutil como perder um prendedor de cabelo. Quase insignificante como um enjoo, um cansaço. A consciência surgiu por acaso, sua origem não é bem certa, de repente na hora de escovar os dentes ou ao regar as plantas ou ao atender o interfone. Não tem lógica. Saímos do centro de gravidade que nos tornava absolutamente dependente dos gestos e das atitudes do outro. Estamos livres para pensar sozinhos e, ao mesmo tempo, presos para sempre na incompreensão.
O desamor é tão fulminante quanto a atração, mas com consequências embaraçosas. Como abandonar a militância, a ideologia, e não ser visto como um traidor? Como narrar o que não tem enredo e reunir sentido em frases soltas e ensimesmadas?
Qualquer um vai se envergonhar de contar, trata-se de um sopro, não mais de uma voz. Não é algo para perguntar, está resolvido, fertilizado de impressões.
Por que é duro sair de casa sem um motivo. Duro encarar quem amamos tanto tempo sem oferecer nenhuma explicação adequada e convincente para o fim. Duro conversar sem mesmo entender como ocorreu a passagem de lado, de uma fidelidade extrema e desesperada à indiferença. Duro executar a tarefa, sabendo que alguém aguarda ansiosamente uma palavra para desaguar os traços, uma palavra onde possa colocar a culpa e amaldiçoar nosso nome. Esse alguém precisa da palavra que não temos, como um pai ou uma mãe do corpo desaparecido do filho.
Vive-se a tragédia de não ter uma tragédia para desencadear a briga. Não haverá uma causa específica para a distância. Fugiremos do contato visual, por não corresponder mais às expectativas.
Receberemos a fama de mentiroso, de fraco, de que estamos escondendo a verdade. Muitos forçam uma causa, para descontar o preço da loucura. Muitos revisam os últimos movimentos para justificar o término. Muitos mentem para não passar trabalho. Muitos tentam diminuir a injustiça inventando fatos.
O que aumenta a penumbra é que incrivelmente nunca mais encontraremos nosso par, apesar de viver na mesma cidade, frequentar o mesmo bairro, dividir gostos semelhantes. Nenhum esbarrão no mercado ou no banco. Os amigos em comum apagam as pistas. Não dá para compreender se mudamos os hábitos ou os hábitos não nos pertenciam mesmo e queríamos agradar pensando que eram nossos.
Minha namorada reviu seu ex num bar. Ele estava acuado com o imprevisto, cumprimentou nervoso ao invés de ajudar o rosto a sorrir. Ela foi ágil, venceu as cadeiras de ferro, as mesas truncadas, esforçou seu quadril para criar interesse e perguntou o que ele andava fazendo. Eu assisti ao enlace esperando o momento de ser apresentado.
Sondei o que passou pela cabeça de Cínthya: aquele rapaz simpático, de cabelos compridos e óculos ingênuos, foi um dia seu melhor, que ela também foi um dia o melhor dele. Ela tinha que mostrar ternura e não me ferir de ciúme. Ele tinha que apresentar confiança e não se abalar comigo.
A emoção ficou represada ou talvez já houvesse secado. A questão é que não se falavam durante cinco anos. Idealizaram um reencontro que não aconteceu. Não existe justiça depois da separação.

(Fabrício Carpinejar)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Escrever...

Estou aqui refletindo sobre a vida, o que é viver... nascer, crescer e morrer.

Como viver certo, dá para viver certo? O que fazer com essa angustia existencial, com esse nó na garganta, esse desejo de voltar para um lugar seguro. Que lugar é seguro na vida?
Como ser compreendido, existe alguém que compreende?
É dificil quando sentimos nossas pernas soltas para caminhar livremente, mas temos dificuldade de encontrar chão quando queremos firmar os passos. Quando temos confiança em falar o que sentimos, mas tão longe está de achar um olhar que acolha nossas palavras.
Pensar é provocar, quando ao seu redor as pessoas seguem sem tentar entender onde querem ir. Ser diferente é estar sozinho, provocar é causar medo. Falar e gerar fuga. Onde te encontrar oh desejado companheiro.
Querer compartilhar a vida, enquanto muitos seguem sem viver, só indo sem saber para onde, seguindo fluxo de uma multidão vazia.
Não, não quero a mediocridade de uma vida pequena, sem grandes paixões, profundas reflexões, doces palavras, sensíveis afetos, olhares brilhantes e pensamentos instigantes. Quero humanidade no respirar e verdade no falar.

Larissa Silva

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A Dança

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
Ou flecha de cravos que propagam o fogo:
Te amo como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
E graças a teu amor vive escuro em meu corpo
O apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
Te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
Assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
Senão assim deste modo em que não sou nem és,
Tão perto que tua mão sobre o meu peito é minha,
Tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Antes de amar-te, amor, nada era meu:
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se dependiam,
Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

(Pablo Neruda)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sacrificar para quê?

Perguntaram ao rabi Bunam: “O que quer dizer com a expressão ‘sacrificar para ídolos’? É impensável que alguém realmente venha a fazer sacrifícios para algo que entenda como um ídolo!” O rabino respondeu: “Vou lhe dar um exemplo. Quando uma pessoa religiosa ou um justo se senta à mesa pouco mais mas se restringe por conta do que os outros podem vir a pensar dele – isto é sacrificar para ídolos!” (Buber, Late Masters, p. 256)

Quantos de nossos esforços e sacrifícios são, na verdade, “oferendas” ao nada? Quem precisa de nossas restrições ou de nossas abstinências?
Muitas coisas são feitas ou muitas deixam de ser feitas por sacrifícios ao nada. Quantas pessoas poderíamos ter tirado “para dançar” na vida e não o fizemos por ofertar sacrifícios ao nada?

Nilton Bonder, no livro “A Alma Imoral”.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Viajar...

Estive viajando na semana que passou, fui para Brotas, cidade do interior de São Paulo, que concentra atividades de Turismo de Aventura... Esportes Radicas.
Passei a semana num lugar tranqüilo, com muito verde, água, natureza, beleza dos rios, cachoeiras, corredeiras, montanhas, plantas, flores, ar puro, sol, chuva, pessoas.
Incrível, mas quando estou num lugar como esse, tenho a sensação de pertencimento, como se já conhecesse seus encantos, como se minha vida fizesse parte daquele vida, como se as pessoas fossem amigas e uma sensação de segurança, de aconchego.
Conheci pessoas legais, simples, mas com autenticidade, pessoas que seu conhecimento está na natureza, que talvez não converse sobre filosofia comigo, mas que tem conhecimento da vida, da natureza, que conhece cada pedra que existe nos rios da cidade e transmitem uma segurança no que fazem, que dá gosto ver.
Pessoas simples, mas com verdade. Vida construída com vivencias, labuta, com olho nos olhos, com atitude. Povo com identidade própria.
Fiz rafting, e foi demais me aventurar pelo rio, adrenalina na natureza, experimentar da vida, contato com o que Deus fez tão puro, mergulhar em águas cristalinas.
Fazer trilhas, caminhar pelo verde sem saber aonde ao certo iria chegar... não ter controle da situação, mas sentir paz no coração.
Já sinto saudade...

E uma música para embalar essas lembranças que ficaram:
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Passeio pelo Interior
Mel, fruta no quintal, sol e beija-flor
Num passeio pelo interior
Rede pra dormir, sonho de sonhar
Céu aberto e um alazão
Paz no pensamento, vai ave derradeira
A lua que desponta é nossa companheira
Vai dia carrossel, som de carrilhão
Um cheiro de café sombra no pomar
As criancas a cantarolar
Sino que bateu, gente que chegou
Um passeio pelo interior
Hoje é lua cheia, vai ave derradeira
Em sua companhia, o tempo é brincadeira
Vai dia carrossel, som de carrilhão
Paz no pensamento, vai ave derradeira
Em sua companhia.
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terça-feira, 18 de agosto de 2009

A Alma Imoral

Assisti uma peça muito boa: "A Alma Imoral", muito interessante. Provocou pensamentos sobre a vida, paixão, relações. Aponta um profundo impacto na reflexão sobre o certo e o errado, a obediência e a desobediência, as fidelidades e as traições, um convite a conhecer as profundas conexões entre o traidor e o traído, entre a marginalidade e a santidade, entre a alma e o corpo. Um contato com a nudez da nossa alma, ver o que se sente, mas não se explica. Foi demais!!!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Sinto assim...

"Sonhamos o voo, mas tememos as alturas.
Para voar é preciso amar o vazio.
Porque o voo só acontece se houver o vazio.
O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas".
(Rubem Alves)

domingo, 5 de julho de 2009

Michael se foi...

Michael se foi...
Hoje faz 10 dias que Michael Jackson morreu.
É triste saber que ele se foi, sem ter chegado para si.
Ele foi grande e completo como artista, parece que seu corpo e voz foram criados para a música, seus sons ainda nos chegam brilhando vida, enquanto que sua vida parece que já não era vivida. Fica o triste olhar de uma vida que parece não ter tido resposta.
Dói essa perda... o que é mais triste é saber que Michael trouxe um novo sentido para a música no mundo, mas parece não ter encontrado o sentido de sua vida da Terra.
Fica a saudade e a torcida para que ele esteja bem e tenha encontrado a paz de Deus.
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Deixo aqui uma linda letra desse mestre da arte:
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We are the World (Nós Somos o Mundo)
Chega um momento, quando ouvimos uma certa chamada
Quando o mundo tem que vir junto como um só
Há pessoas morrendo
E está na hora de dar uma mão a vida
O maior presente de todos
Nós não podemos continuar fingindo todos os dias
Que alguém, em algum lugar irá mudar
Todos nós somos parte da grande família de Deus
É a verdade
Você sabe que o amor é tudo que nós precisamos
Nós somos o mundo, nós somos as crianças
Nós que fazemos um dia mais brilhante
Assim comecemos nos dedicando
Há uma escolha que nós estamos fazendo
Nós estamos salvando nossas próprias vidas
É verdade que nós faremos um dia melhor, só você e eu
Lhes envie seu coração assim eles saberão que alguém se preocupa
E as vidas deles serão mais fortes e independentes
Como Deus nos mostrou transformando pedras em pão
E por isso todos nós temos que dar uma mão amiga
Quando você está acabado, e não aparece nenhuma esperança
Mas se você acredita que não há nenhum modo que nos faça cair
Nos deixa perceber que uma mudança só pode vir
Quando nós nos levantamos junto como um só

Com Carinho,
Laris

domingo, 28 de junho de 2009

Me Formei em Psicologia!!!

Vamos começar
Colocando um ponto final
Pelo menos já é um sinal
De que tudo na vida tem fim
Vamos acordar
Hoje tem um sol diferente no céu
Gargalhando no seu carrossel
Gritando nada é tão triste assim
É tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos
Vamos celebrar
Nossa própria maneira de ser
Essa luz que acabou de nascer
Quando aquela de trás apagou
E vamos terminar
Inventando uma nova canção
Nem que seja uma outra versão
Pra tentar entender que acabou
Mas é tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Um lugar para se viver

Maria Rezende é uma poeta carioca que recentemente lançou um livro encantador chamado Bendita Palavra, onde, entre tantos versos, fui surpreendida por este: dentro de mim não é mais um bom lugar para se viver.
Semana passada eu decretei que o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço. Mas o abraço é um refúgio externo. O que fazer quando dentro de nós, esse lugar privativo, deixa de ser um bom lugar para se estar?
O verso da Maria Rezende reflete uma necessidade de se exorcizar, o pânico de não detectar dentro de si um abrigo, uma quentura, um espaço aprazível onde caibam todos os nossos fantasmas. A voz que fala através da poeta tem vontade de expulsar-se de si própria, já não reconhece um sol interno – isso sou eu que estou interpretando, Maria fala mais bonito: “teve um tempo em que esse dentro parecia com o fora/ era um ótimo lugar pra uma moça como eu era”.
Aí a personagem do poema virou uma moça diferente, hospedou em si uma criatura arrebentada, ferida, e danou-se, agora ela não é mais um bom lugar para se viver.
Explica tanta coisa, esse sentimento. Explica a gente não conseguir se relacionar bem com os outros, explica autoflagelo, explica engordar ou emagrecer além do razoável, explica suicídio, explica a sensação de ser um estrangeiro até para si próprio. Como lidar com esse despatriamento, para onde levar nossa mochila, nossa bagagem, nosso “eu mesmo” pra se instalar em outro corpo? Nascer de novo não dá. Ou até dá. Até dá.
De vez em quando é necessário se perguntar se dentro de nós é um bom lugar para se viver.
Depois de ler a poeta carioca, eu tenho me perguntado. E a resposta, sem nenhum ranço pseudointelectual, sem nenhuma espécie de autoaversão, ou seja, da forma mais simplória, é que sim, eu sou um bom lugar para se viver.
Dentro de mim há pensamentos demais, o que torna tudo meio caótico, mas tenho tentado dar uma arrumada nessas ideias e manter cada uma em sua gaveta. Há também sentimentos variados, mas de forma alguma vou expulsá-los, deixo que circulem à vontade por esse meu corpo que lhes serve de ringue, já que eles às vezes brigam uns com os outros.
Dentro de mim é sempre verão e toca música o tempo inteiro, e mantenho uma satisfação secreta que precisa se manter secreta para não passar por boba. Há crianças e adultos dentro de mim, todos da mesma idade. Aqui dentro existe uma praia e uma montanha coladas uma na outra, parece até Rio de Janeiro, só que os tiroteios são feitos com bala de festim. Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas para fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei. Dentro de mim são produzidas algumas cenas sofisticadas e também roteiros de filme B. Um universo movimentado e contraditório: como não gostar de viver aqui dentro?
E você, tem sido um bom hospedeiro de si mesmo?
(Martha Medeiros)

domingo, 14 de junho de 2009

Sobre Arte

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Pois a arte é infância. Arte significa não saber que o mundo já é, e fazer um. Não destruir nada que se encontra, mas simplesmente não achar nada pronto. Nada mais que possibilidades. Nada mais que desejos. E, de repente, ser realização, ser verão, ter sol. Sem que se fale disso, involuntariamente. Nunca ter terminado. Nunca ter o sétimo dia. Nunca ver que tudo é bom. Insatisfação é juventude.
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(Rainer Maria Rilke)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Amor Maduro

O amor maduro não é menor em intensidade. Ele é apenas quase silencioso. Não é menor em extensão. É mais definido, colorido e poetizado. Não carece de demonstrações: presenteia com a verdade do sentimento. Não precisa de presenças exigidas: amplia-se com as ausências significantes.

O amor maduro somente aceita viver os problemas da felicidade. Problemas da felicidade são formas trabalhosas de construir o bem e o prazer. Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.

O amor maduro cresce na verdade e se esconde a cada auto-ilusão. Basta-se com o todo do pouco. Não precisa nem quer nada do muito. Está relacionado com a vida e a sua incompletude, por isso é pleno em cada ninharia por ele transformada em paraíso. É feito de compreensão, música e mistério. É a forma sublime de ser adulto e a forma adulta de ser sublime e criança. O amor maduro não disputa, não cobra, pouco pergunta, menos quer saber. Teme, sim. Porém, não faz do temor, argumento. Basta-se com a própria existência. Alimenta-se do instante presente valorizado e importante porque redentor de todos os equívocos do passado. O amor maduro é a regeneração de cada erro. Ele é filho da capacidade de crer e continuar, é o sentimento que se manteve mais forte depois de todas as ameaças, guerras ou inundações existenciais com epidemias de ciúme.

O amor maduro é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte salva de cada pessoa. Ele vive do que não morreu mesmo tendo ficado para depois. Vive do que fermentou criando dimensões novas para sentimentos antigos, jardins abandonados cheios de sementes. Ele não pede, tem. Não reivindica, consegue. Não persegue, recebe. Não exige, dá. Não pergunta, adivinha. Existe, para fazer feliz. Só teme o que cansa, machuca ou desgasta.
(Artur da Távola)

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A Amizade

Lembrei-me dele e senti saudades...
Tanto tempo que a gente não se vê! Dei-me conta, com uma intensidade incomum, da coisa rara que é a amizade. E, no entanto, é a coisa mais alegre que a vida nos dá. A beleza da poesia, da música, da natureza, as delícias da boa comida e da bebida perdem o gosto e ficam meio tristes quando não temos um amigo com quem compartilhá-las. Acho mesmo que tudo o que fazemos na vida pode se resumir nisto: a busca de um amigo, uma luta contra a solidão...

Lembrei-me de um trecho de Jean-Christophe, que li quando era jovem, e do qual nunca me esqueci. Romain Rolland descreve a primeira experiência com a amizade do seu herói adolescente. Já conhecera muitas pessoas nos curtos anos de sua vida. Mas o que experimentava naquele momento era diferente de tudo que já sentira antes. O encontro acontecera de repente, mas era como se já tivessem sido amigos a vida inteira.

A experiência da amizade parece ter suas raízes fora do tempo, na eternidade. Um amigo é alguém com quem estivemos desde sempre. Pela primeira vez estando com alguém, não sentia necessidade de falar. Bastava a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro.

"Christophe voltou sozinho dentro da noite. Seu coração cantava 'Tenho um amigo, tenho um amigo!' Nada via. Nada ouvia. Não pensava em mais nada. Estava morto de sono e adormeceu assim que se deitou. Mas durante a noite fora acordado duas ou três vezes, como que por uma idéia fixa. Repetia para si mesmo: 'Tenho um amigo', e tornava a adormecer."

Jean-Christophe compreendera a essência da amizade. Amiga é aquela pessoa em cuja companhia não é preciso falar. Você tem aqui um teste para saber quantos amigos você tem. Se o silêncio entre vocês dois lhe causa ansiedade, se quando o assunto foge você se põe a procurar palavras para encher o vazio e manter a conversa animada, então a pessoa com quem você está não é sua amiga. Porque um amigo é alguém cuja presença procuramos não por causa daquilo que se vai fazer juntos, seja bater papo, comer, jogar ou transar. Até que tudo isso pode acontecer. Mas a diferença está em que, quando a pessoa não é amiga, terminando o alegre e animado programa, vêm o silêncio e o vazio - que são insuportáveis. Nesse momento o outro se transforma num incômodo que entulha o espaço e cuja despedida se espera com ansiedade.

Com o amigo é diferente. Não é preciso falar. Basta a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro. Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria, independentemente do que se faça ou diga. A amizade anda por caminhos que não passam pelos programas.

Uma estória oriental conta de uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados a montanha estivera coberta de árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas aquela árvore era torta, não podia será transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a deixaram lá. Depois vieram os caçadores das essências em busca de madeiras perfumadas. Mas a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil, sobreviveu. Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob a sua sombra e descansam.

Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso que o torna amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo, sabemos que não estamos sós. E alegria maior não pode existir.

(por Rubem Alves - do livro 'O retorno e Terno')

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Como vai você?


Como vai você?
Eu preciso saber da sua vida
Peça alguém pra me contar sobre o seu dia
Anoiteceu e preciso só saber
Como vai você?
Que já modificou a minha vida
Razão de minha paz já esquecida
Nem sei se gosto mais de mim ou de você
Vem que a sede de te amar me faz melhor
Eu quero amanhecer ao seu redor
Preciso tanto me fazer feliz
Vem que o tempo pode afastar nos dois
Não deixa tanta vida pra depois
Eu só preciso saber...
Como vai você?

quarta-feira, 27 de maio de 2009

CORINTHIANS!


Eu, Di e Phan no jogo do Timão.

Corinthians 1 x 0 Fluminense.

E hoje vou torcer novamente... Ae Coringão!


terça-feira, 26 de maio de 2009

Florença, 16 de abril de 1898.


“Aqui é o lugar silencioso do sacrifício da vida.
Aqui o dia ainda é profundo. Aqui a noite
envolve o sonho como uma capela de batismo.
Aqui a vida acarinhou o coração e a claridade,
E aqui foi tudo um pressentimento do seu poder:
O ar festivo das mulheres, a magnificência dos príncipes
E o tremor de um monge na cela do convento”.


Rainer Maria Rilke em O Diário de Florença, Ed. Nova Alexandria, p. 14

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Primavera

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.
(Cecília Meireles)

Desejo

Desejo a você
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não Ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa Um violão Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco Bolero de Ravel
E muito carinho meu.
(Carlos Drumond de Andrade)