segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sobre sambas, alegrias e despedidas

...Hoje, tempos e amores depois, resolvi colocar o mesmo disco pra tocar aqui na mesma sala, num dia de tristeza inédita. Ou de uma velha melancolia, exibindo as feridas que ainda habitam em mim.

É incrível como fui capaz de esquecer desse antídoto, como se eu estivesse apegada às dores que me assaltaram de algumas semanas pra cá – e a dor tem os seus encantos. E de novo descubro que em mim existem sorrisos de verdade, e com as notas procuro fazer a esperança espantar o medo, esse que desenha um futuro escuro como numa tentativa de nos proteger de alguma decepção – mas o faz de um jeito burro, porque é muito melhor ter esperança que deixar de viver a felicidade por medo de ela acabar.

O samba ensina entusiasmo, filho. Mesmo que fale de acontecimentos tristes, desamor ou abandono, ele canta a alegria que virá, inevitavelmente, porque a vida é mesmo em ciclos. Quem canta um samba lembra que a vida é agora, e se despede da tristeza com graça, antecipadamente, como quem coloca vassoura atrás da porta, confiante de que assim a visita indesejada vai logo dar um jeito de ir embora.

Cantar e sambar é um jeito brasileiro de acreditar no futuro, em notas que choram docemente, lembrando que satisfação é estar vivo e que isso deve fazer algum sentido.

E é assim que hoje, ouvindo samba, decidi começar a caminhar de novo, mesmo com os pés doendo: com a certeza de que em pouco tempo vou encontrar um lugar pra me sentar, tirar os sapatos e apreciar a estrada. Para depois dar mais alguns passos descalça e, com novos calos a proteger os pés, descobrir caminhos que nem estavam no mapa, e voltar ao prazer da viagem.

Lá na frente, quem sabe eu mesma faça um sambinha, cantando em humor as vezes que errei o caminho – e de como foi bom aprender.

(Cristina Guerra)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Muito


O que ela quer é falar de amor. Fazer cafuné, comprar presente, reservar hotel pra viagem, olhar estrela sem ter o que dizer. Quer tomar vinho e olhar nos olhos. Ela quer poder soprar o que mora dentro, o que não cabe, que voa inocente e suicida. Ela quer o que não tem nome. Quer rir sem saber de quê, passar horas sem notar, quer o silêncio e a falação. Ela quer bobagem. Quer o que não serve pra nada. Quer o desejo, que é menos comportado que a vontade. Ela quer o imprevisto, a surpresa, o coração disparado, o medo de ser bom. Quer música, barulho de e-mail na caixa, telefone tocando. Ela tem muito e quer mais. Quer sempre. Quer se cobrir de eternidade, quer o oxigênio do risco pra ficar sempre menina. Ela quer tremer as pernas, beijo no ponto de ônibus e a milésima primeira vez. Quer cor e som, lembrança de ontem, sorriso no canto da boca. Ela quer dar bandeira. Quer a alegria besta de quem não tem juízo. O que ela quer é tão simples. Só que ela não é desse mundo.
(Cristina Guerra)