quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A Dança

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
Ou flecha de cravos que propagam o fogo:
Te amo como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
E graças a teu amor vive escuro em meu corpo
O apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
Te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
Assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
Senão assim deste modo em que não sou nem és,
Tão perto que tua mão sobre o meu peito é minha,
Tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Antes de amar-te, amor, nada era meu:
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se dependiam,
Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

(Pablo Neruda)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sacrificar para quê?

Perguntaram ao rabi Bunam: “O que quer dizer com a expressão ‘sacrificar para ídolos’? É impensável que alguém realmente venha a fazer sacrifícios para algo que entenda como um ídolo!” O rabino respondeu: “Vou lhe dar um exemplo. Quando uma pessoa religiosa ou um justo se senta à mesa pouco mais mas se restringe por conta do que os outros podem vir a pensar dele – isto é sacrificar para ídolos!” (Buber, Late Masters, p. 256)

Quantos de nossos esforços e sacrifícios são, na verdade, “oferendas” ao nada? Quem precisa de nossas restrições ou de nossas abstinências?
Muitas coisas são feitas ou muitas deixam de ser feitas por sacrifícios ao nada. Quantas pessoas poderíamos ter tirado “para dançar” na vida e não o fizemos por ofertar sacrifícios ao nada?

Nilton Bonder, no livro “A Alma Imoral”.