domingo, 23 de janeiro de 2011

Há que endurecer...

Um dia um aluno me perguntou: “Como é que o senhor planejou a sua vida para que chegasse aonde chegou?” Ele me admirava. Mas minha resposta pôs a perder suas expectativas. Eu disse: “Eu estou onde estou porque todos os meus planos deram errado”. (Rubem Alves)

Essa vida que é roda viva nos ensina a fragilidade dos planos e o perigo das expectativas. As palavras de Rubem Alves soam como uma leitura de minha alma. Recentemente, vivenciei momentos difíceis. De repente fui surpreendida com más notícias, o dia ficou cinza e uma nuvem tempestuosa se formou sobre mim. Sonhos que havia desenhado durante algum tempo tiveram que ser adiados, enfim meus planos deram errado.

A frustração tomou boa parte de mim, fiquei sem chão, sem saber para onde olhar. Sem entender o motivo de estar nesse lugar de angústia, sem querer ver algum propósito nisso. Não queria pensar que era necessário viver algo tão dolorido para amadurecer.

Mas após o susto, tentei pensar em oportunidades de crescimento com tal situação. Comecei a desejar a beleza que há na vida. Pensar que viver está muito além de uma fase momentânea de dificuldade e decepção. E que essas são ferramentas que podemos usar para sermos lapidados e aprofundarmos nossas raízes no que é verdadeiro e digno em nossa existência. As surpresas que nos chegam, boas ou ruins, nos mostram o quanto não temos controle algum das circunstâncias que nos sucedem, que a roda vida é todo dia. Que posso escolher pela arte de viver, me deixar amadurecer com o que o mundo me oferece e assim fazer do cotidiano uma grande obra de arte. Não esperar por nada pronto, criar o belo que quero enxergar, permitir que a tristeza produza força para acreditar.

Lutam melhor os que têm sonhos belos. Somente aqueles que contemplam a beleza são capazes de endurecer “sem nunca perder a ternura”. (Rubem Alves, parafraseando Che Guevara)

Sinto assim, houve um momento que me senti endurecendo, formando uma casca para as pessoas e situações. Uma geleira se formando em torno de meu coração. Tive medo do que estava me tornando. De que esse fosse um limite que não estava preparada para chegar. Mas em outros momentos achava que seria produtivo, que essa vivência estava me conduzindo a ser uma pessoa mais independente e menos vulnerável ao que é externo. Mas a despeito de tudo, escolhi pela beleza dos sonhos, a arte da vida. Deixei o amor degelar meu coração e abrir fronteiras para novas vivencias. Então percebi o quanto é possível “endurecer sem perder a ternura”, quando acreditamos no verão que está por vir, vemos que as chuvas tempestivas se tornam apenas parte da estação e não a única forma de visão. Esse endurecer nos faz mais fortes e maduros para novos desafios e mais sensíveis para o encanto que está no cotidiano.

Após esse frio e nebuloso inverno, começo a sentir o calor do verão e do Sol que me aquece. Vejo que aprendi com as perdas e decepções e quanto me serviram como uma ponte para conquistas importantes. Posso enxergar com clareza, que hoje estou realizando um sonho justamente porque alguns planos deram errado. E repensando os últimos anos de minha vida, posso constatar que sou uma pessoa melhor e mais feliz porque muito dos meus planos deram errado. Vou aprendendo que a vulnerabilidade do meu coração e a imperfeição de minhas ações me faz ser humana. Um amigo perguntou o que queria dizer na minha experiência “tornar-se pessoa?”. É isso. Tornar-me pessoa tem a ver com esse deixar afetar-se pela vida. Reconhecer o que se é e se permitir ser o que realmente se é. E isso abrange essa perspectiva de sofrer, lutar, sonhar, frustrar, desejar, amar, chorar, alegrar, decepcionar, errar, acertar e a despeito de tudo, acreditar. Acreditar em Deus, na vida, nas pessoas, nos sonhos e, claro, em si mesmo. Tenho aprendido com as circunstâncias felizes e adversas que mergulhar na vida a despeito das conseqüências tem contribuído para esse “tornar-se pessoa”. E assim torno-me mais humana, amada e amante.

Larissa Siva